quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Voltei!

Quando criei este blog fi-lo com a promessa de o ir actualizando diariamente. O tempo, esse conta gotas de vida, tem corrido tão apressado que me impediu de cumprir a promessa.
Volto hoje nem que seja para desejar Boas Festas e para "re"prometer que voltarei mais vezes porque sinto necessidade de dizer o que sinto e que me anda a apoquentar a alma.
Só aqui as palavras fluem com facilidade e só aqui vou encontrando, no conforto do que escrevo e no confronto comigo mesma, a calma de que necessito para evitar que o conta gotas de vida me retire os prazeres que mais amo!

Festas Felizes a todos!!!

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Amigos

Os amigos são o melhor que a vida nos oferece... alguns surgem de repente, do nada, e tornam-se especiais, às primeiras horas, nos primeiros momentos... Cativam-nos porque sim.
Depois há os outros, aqueles que vão subindo degrau a degrau a escadaria que transforma conhecidos em amigos. E aprendemos a gostar desses também. Às vezes, como o crescimento foi mais lento, a afeição torna-os amigos mais fortes, mais especiais... Sem motivos, sem explicações, apenas porque sim.
Há os que nos surpreendem e aqueles que se deixam surpreender... E quando os surpreendemos e trocamos os sorrisos cúmplices dessas surpresas, somos todos mais felizes.
Parabéns, Rui! Obrigada por te deixares surpreender e por me surpreenderes sistematicamente pela positiva.

Anda tudo em campanha


Anda tudo em campanha! Os que ganharam as eleições e os que perderam, os que subiram, os que desceram... Anda tudo em campanha! Os da bola, os da política, os azuis, os verdes, os amarelos, os rosas, os vermelhos, os laranjas... Andam todos à procura de qualquer coisa e andam todos em campanha. Atropelam-se uns aos outros, ofendem-se, esquecem-se que estão todos numa posição igual ou, pelo menos, parecida.
Não há respeito, não há lógica que não seja a lógica do bota abaixo de quem está no poder, do "eu cá sou bom, sou o maior".
E há gente em campanha em todo o lado! Os que se candidatam a alguma coisa e os que se candidatam a ganhar alguma coisa com os que ganharem os lugares do poder.  E estes, os segundos, estão em todo o lado, em mais lados do que os que estão em campanha para os lugares, porque estão ao lado de todos os que estão em campanha. São as sombras de todos, que só podem votar num, mas que, pelo menos na altura de pedir o favorzinho, não se esquecem de avisar "olhe que estive consigo, lembra-se?!"
Há quem se preste a estes fretes!
Aliás, em tempo de campanha há gente para tudo!!!!

sábado, 26 de setembro de 2009

Dia de reflexão


Hoje é dia de reflexão eleitoral. Embora eu não tenho muito o que reflectir e saiba perfeitamente o que fazer amanhã no meu boletim de voto, deu-me para falar sobre o assunto.
Encanta-me a política! Como jornalista é essa a área onde me sinto mais à vontade, onde produzo os melhores trabalhos, onde me sei "mexer". Gosto da política enquanto ciência, enquanto objecto de estudo, enquanto motivo de conversa. Mas começa a enojar-me a política dos carreiristas, dos demagogos, dos tachistas...
Tenho amigos na política que adoro, que amo de paixão!!!! Pessoas que de alguma forma passaram da plataforma de entrevistados para a de conhecidos e que a subiram até chegar à de amigos. Não serão muitos, talvez uma meia dúzia, uma dúzia talvez. Dos mais variados partidos, com opções políticas diferentes da minha, mas pessoas com quem me identifico pela forma de estar na vida política, pela forma de estar na causa pública. Obviamente que também terão defeitos, mas as suas virtudes ultrapassam largamente os erros que possam cometer em nome dos partidos a que pertencem. É certo que não voto sempre nos meus amigos, às vezes não posso, outras vezes não quero, outras vezes porque se candidatam às mesmas coisas em listas diferentes... E é esta a magia da amizade!!! E a magia da política também, e acima de tudo a magia da democracia que, em falta de melhor sistema e mesmo cheio de imperfeições, é ainda assim, provavelmente, o mais perfeito.
Neste dia que é de reflexão eleitoral, lembro os amigos que me chegaram através da política e dos partidos. Homens e mulheres (mais homens que mulheres) cuja habilidade, talento, honestidade e capacidade de trabalho me fizeram acreditar que é possível estar na causa pública sem ser em causa própria. Por isso, beijo o Luís, o Augusto, o Carlos, o Nuno, a Ana, o Rui e outros tantos... Por serem meus amigos e por saberem estar na política como estão na vida: de peito aberto, de braços abertos e de alma lavada.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Uma tirada de Voltaire

"...É Triste Não Ter Amigos?

Ainda Mais Triste é Não Ter Inimigos,
Porque, Quem Não Tem Inimigos,
É Sinal De Que Não Tem:
Nem Talento Que Faça Sombra,
Nem Caráter Que Impressione,
Nem Coragem Para Que o Temam,
Nem Honra Contra Qual Murmurem,
Nem Bens Que Lhe Cobicem,
Nem Coisa Alguma Que Invejem..."

Disse Voltaire e eu acho que disse muito bem. Boa noite a todos!

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Pessoas com inteligência instantânea

Hoje estou com menos neura do que no dia da último post. Quero agradecer as palavras simpáticas de quem por cá passou, mas como todos sabem, estas coisas de chupistas, sanguessugas e afins acontecem a todos.
Mas, hoje a minha irritação vai para aqueles que gostam de se fazer mais inteligentes que os outros. Isto a propósito de um inquérito colocado online em http://www.setubaltv.com/ sobre as candidaturas autárquicas. A nossa ideia ao colocar aquele inquérito era tentar uma aproximação ao que poderia ser a intenção de voto dos setubalenses. Mas, um "inteligente" qualquer achou que podia deturpar a coisa e vai de votar desalmadamente num determinado candidato. E depois devia olhar para o gráfico, ver a candidatura que defende à frente de todas as outras, destacadíssima, e tinha orgasmos! Provavelmente orgasmos múltiplos.
Engraçado também é que a moda parece ter pegado. Um determinado candidato conseguiu reunir em menos de um quarto de hora, mais de uma centena de votos no referido inquérito. E devem achar que somos todos muito estúpidos lá para os lados da televisão de Setúbal.
Mas afinal a quem é que esta gente quer enganar?!
Aconselho uma visita ao espaço, primeiro para confirmarem a palhaçada e depois porque a página tem muita matéria interessante para conhecer.

sábado, 19 de setembro de 2009

Chupistas, sanguessugas e afins


Incomoda-me a mediocridade e a falta de respeito. Incomodam-me pessoas que se aproveitam de nós, dos nossos sentimentos e que só conseguem ver no sentido do "venha a mim". Pessoas que não nos dão nada, mas que nos "esmifram" até  mais não poder.
Incomodam-me aqueles que não sabem separar as águas e que misturam sentimentos de amizade com outras coisas.
Incomodam-me os aproveitadores! Os egoístas! As sanguessugas!
E hoje, porque estou irritada, apeteceu-me dizer isto tudo!

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Gonçalo

Faz hoje oito anos que fui brindada com um dos dois mais belos presentes de toda uma vida! O meu Gonçalo foi recebido ainda não era uma hora da tarde. Chegou pertinho da hora do almoço para não incomodar muito...
Só quem tem filhos sabe dar valor ao prazer imenso de os ver pela primeira vez, perfeitos, saudáveis, lindos... Deus brindou-me por duas vezes com essa alegria extrema! As sensações que nos atravessam no momento em que, pela primeira vez, pegamos ao colo naqueles seres indefesos, são ímpossíveis de descrever. Não há palavras, por mais belas que possam ser, que expliquem o amor, a imensa paixão, que aquele pequenino ser, acabado de nascer, produz em nós.
Há oito anos nasceu o meu principezinho... Lindinho! Lourinho e de olhinho azul.
Parabéns, amor da mãe!

domingo, 13 de setembro de 2009

Eurovision Party - Setúbal

Este sábado, Setúbal recebeu a primeira Eurovision Party realizada em Portugal! Um ambiente muito giro, com gente muito gira! Tive a oportunidade de partilhar o palco, na apresentação, com um "borracho sérvio"... Um homem lindo por fora e de uma doçura inigualável. Kristian Rodic foi uma das agradáveis surpresas de uma noite memorável. A amabilidade, simpatia e graça do Kristian... O profissionalismo e extrema simplicidade da maioria dos artistas que actuaram em Setúbal foram surpreendentes quando somos confrontados diariamente com pseudo vedetas lusas.
Quero agradecer aqui, publicamente, ao meu querido Guilherme Santos (para mim será sempre o meu Paulo Pestana) por me ter dado a oportunidade de partilhar esta noite estrondosa.
Parabéns ao Paulo e a todos aqueles que, de uma maneira ou de outra, tornaram possível a Primeira Eurovision Party Portuguesa!
Lamentavelmente a RTP manteve-se à margem desta festa! Alguns patrocinadores possíveis roeram a corda, mas, contra ventos, marés e velhos do Restelo, a noite foi de ARROMBA!
Thank you all!
Para quem não teve a oportunidade de estar presente, uma viagem ao Youtube mata alguma curiosidade.
O link para a abertura do espectáculo é este:

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

O outro

Eu não gosto de bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos bons modos
Não gosto

Eu aguento até rigores
Eu não tenho pena dos traídos
Eu hospedo infratores e banidos
Eu respeito conveniências

Eu não ligo pra conchavos
Eu suporto aparências
Eu não gosto de maus tratos

Mas o que eu não gosto é do bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos bons modos
Não gosto

Eu aguento até os modernos
E seus segundos cadernos
Eu aguento até os caretas
E suas verdades perfeitas

o que eu não gosto é de bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos bons modos
Não gosto

Eu aguento até os estetas
Eu não julgo a competência
Eu não ligo para etiqueta

Eu aplaudo rebeldias
Eu respeito tiranias
E compreendo piedades

Eu não condeno mentiras
Eu não condeno vaidades
o que eu não gosto é do bom gosto

Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos modos
Não gosto

Eu gosto dos que têm fome
Dos que morrem de vontade
Dos que secam de desejo
Dos que ardem..

Mário de Sá Carneiro, (magnificamente musicado por Adriana Calcanhoto)

domingo, 6 de setembro de 2009

Poesia na ponta dos dedos

Esta rapariga tem poesia na ponta dos dedos... E faz o favor de ser minha amiga...
Logo, tenho uma amiga com poesia na ponta dos dedos.
Para quem necessitar de confirmações:

http://www.fadoefolia.blogspot.com/

Saudades de Angra

Tenho saudades... nem sei bem ao certo de quê... hoje, em meio a fotos de uma adolescência atrasada, senti vontade de rever amigos que deixei para trás há tantos anos. Lembrei-me que um deles tinha feito anos ontem. Esqueci-me de lhe dar os parabéns, mas lembrei-me dele hoje e senti saudades daquelas noites de copos e loucuras, de paródias que acabavam manhã cedo, já com o sol a surgir no horizonte... de pequenos almoços antes do primeiro sono... Saudades de amizades puras e desinteressadas... quando aquilo que se dizia era porque se sentia e não porque ficava bem ou era politicamente correcto. Saudades de paixões que se viviam intensamente ao som de The Cure, ou de uma tuna académica. Paixões que não tinham futuro, mas que eram intensas naquele momento.
Por todas estas coisas recordei amigos de quem hoje não sei... Recordei uma época em que eram eles a minha família, era eu também a família deles...
Onde andarão? Que farão? Que memórias guardarão daqueles tempos?
Hoje, independentemente do sítio onde se encontram, encontrei-os nas fotos e guardei-os novamente no meu coração e no meu pensamento. E senti saudades...
Com a memória de uma terra que me deu muito que recordar, aqui deixo, neste espaço que, muito provavelmente ele não verá, os parabéns atrasados ao Luís Ermida e os adiantados ao Zé António. E deixo beijos e abraços fortes aos amigos que fiz e deixei no meio do oceano. A todos, para sempre.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

À avó Gertrudes

Olá, avó…
Tenho saudades tuas, tantas saudades tuas.
E tenho tanta pena de não te visitar… pergunto por ti ao teu neto, sim, porque ele é que é teu neto, eu sou apenas a mulher que casou com ele, mas sinto-te como avó. E sinto falta do teu carinho, do teu sentido de humor, da tua maneira de dizer que nos amas mesmo sem usares palavras. E eu sei que me amas, e sei também que tens saudades minhas.
Sinto que o fôlego que ainda te mantém não vai durar eternamente e, sinto também, que, mais dia, menos dia, irás partir… custa-me pensar que não te direi o quanto gosto de ti antes desse dia, mas, às vezes, há coisas que nos magoam tanto que nos impedem de dizer a quem amamos o quanto significam para nós. Por culpa de outros e não nossa, deixei de partilhar contigo tantos momentos nos últimos anos… deixei de rir com as tuas graças, com a tua malandrice.
À pergunta “como está a tua avó?”, a resposta que tenho é “está velhinha…” – e eu sei que sim… afinal já vais a caminho do século, não é?
Custa-me pensar que podes partir sem te despedires de mim… não quero deixar de te dizer o quanto gosto de ti, o quanto tenho saudades tuas… Por isso, já sabes, não podes ir embora antes de eu ganhar a coragem de cagar para tudo e todos, para os ódios que me dedicaram, para a indiferença com que os trato e me tratam, e chegar ao pé de ti, dar-te um abraço grande; um, dois, três, dez beijos e dizer-te “Avó, gosto muito de ti!”.
Tu não te atrevas, ouviste?

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Ao leme...

É hoje… é hoje o dia em que soltamos as amarras e seguimos com o vento rumo a um horizonte incerto.
Levantamos as velas e seguimos sem destino, lado a lado, tu e eu… porque na promessa de um beijo encontrámos motivos para abraçar esta aventura.
Uma aventura que é nossa porque é nossa a paixão pelo incerto e porque a incógnita do futuro nos excita e alimenta. E porque corpos nus sobre as águas são poemas… são histórias não contadas da conjugação do verbo amar.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Ao José Luís Peixoto:

Decidi ir espreitar o que se passa no blog do José Luís Peixoto, onde ele dá vazão ao muito que lhe vai na alma.
Li os dois primeiros posts e meia hora depois ainda estava em choque. Ponderei deixar-lhe nos comentários esta mensagem:
"Há meia hora que me sinto uma pouca de trampa, eu que achava que sabia escrever umas coisas. Mas faço a solene promessa de que hei-de continuar a escrever e hei-de escrever tanto que um dia vou ser capaz de escrever como tu. Nem que tenha de ler listas telefónicas para me inspirar, e bulas de medicamentos e embalagens de cereais e pacotes de leite..."
Talvez um dia lá deixe a mensagem. Hoje não! Sinto-me derreada e pequenininha.

Para quem quiser "diminuir-se" :
http://bravonline.abril.com.br/blog/joseluispeixoto/

Tempo verbal

Queria que hoje as coisas fossem diferentes, sem indiferença! Queria que os olhos não traíssem os desejos da alma, mas que, não fossem eles também, a lâmina crua que atravessa e trespassa e faz sangrar o que sobrou de um outro tempo.
Não se ama porque sim... não se deseja porque sim... não se odeia porque sim... Cada sentimento tem o seu tempo, a sua hora, e uma razão. E foi por alguma razão que se amou, se desejou... Mas não chegou a hora, o tempo nem a razão para se odiar.
E por isso, a indiferença, o frio do olhar e dos gestos ainda não pode ter encontrado o seu tempo... Porque quem ama, quem deseja, não encontra o tempo presente do verbo odiar.

sábado, 29 de agosto de 2009

Olá, Carolina!!!

Nasceu a Carolina e o Mundo ficou mais bonito. Não porque a Carolina é minha sobrinha, mas porque o Mundo fica sempre mais bonito quando nasce um bebé.
Faz-nos acreditar que as coisas podem ser mais simples e mais bonitas, sem o tom feio e complicado com que os adultos encaram o Mundo.
E eu hoje estou muito feliz porque ganhei uma sobrinha, a minha primeira menina, e porque o Mundo pode sorrir porque nasceu mais uma pequenina estrelinha que faz brilhar os corações dos pais, do irmão, dos tios, dos avós, dos primos e da tia mais babada do planeta.
Bem vinda, Carolina!!!

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Outono

Não gosto do frio... Daquele frio que nos apoquenta e nos faz encolher.
Não gosto do frio... Do frio da indiferença entre o um e o outro.
Não gosto do frio do silêncio pesado entre quem se ama...
Gosto do calor. Do calor na tua mão na minha. Do calor de dois corpos que se amam e se fundem num só. Gosto do calor do sorriso das crianças. Gosto do calor dos beijos dos meus filhos.
Gosto do Verão, mas também gosto do Inverno. Do Inverno à lareira, das mantas quentinhas, dos chás a fumegar...
Mas gosto muito mais do Outono. Do Outono que recebeu bonito o meu primeiro filho, do Outono que timidamente se aproximava para receber o segundo.
Gosto do Outono em que nos conhecemos e nos casámos. Do Outono que, entre tons de laranjas e castanhos, nos enriquece a alma.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Início de um conto que ainda não consegui terminar...

Abriu os olhos. O barulho das máquinas a trabalhar na praceta parecia-lhe agora ensurdecedor, como aviões que aterram num cenário de guerra. Sentiu que a cabeça lhe martelava como se estivesse no interior de uma fábrica. O tiquetaque ritmado do relógio na mesa-de-cabeceira irritava-o solenemente, como os passos de um criminoso num filme de terror, um criminoso que o perseguia nem ele sabia muito bem porquê.
Voltou a cerrar os olhos e puxou o edredão de penas de modo a cobrir a cabeça na esperança vã de voltar a dormir. Sabia que era impossível regressar ao sono. Aliás, sabia perfeitamente que a terrível dor de cabeça que o acompanhava não iria passar só porque a escondia debaixo dos cobertores. Olhou novamente o relógio irritante sobre a mesa-de-cabeceira. Passava pouco das nove e vinte. Talvez nove e vinte e três, mais coisa menos coisa.
A boca tinha um gosto estranho… o gosto próprio de quem bebeu e fumou demais na noite anterior. Na juventude, os amigos costumavam dizer que tinham a boca a saber a papel de música, uma comparação perfeitamente ridícula já que não conhecia ninguém que alguma vez tivesse comido papel de música para saber o seu verdadeiro gosto. O facto era que a boca tinha um estranho paladar e, à falta de melhor, sabia-lhe a papel de música.
Decidiu levantar-se, fazer um café forte e tomar um comprimido para tentar por cobro aquela maldita dor que lhe martelava a cabeça. Saiu da cama com a mesma vontade que teria um condenado à cadeira eléctrica. Apetecia-lhe ficar deitado e dormir o resto do dia, se possível o resto da vida. Acordar e levantar-se seria apenas o continuar de algo que queria apagar e não voltar a viver.

O avô...

Das mãos da minha avó saíam peças lindas… bordados cheios de pontos e nós, uns brancos e outros cheios de cores. Bordados valiosos que nunca a fizeram enriquecer, mas que estão espalhados nas casas de gentes com posses que podem dar valor às horas que ela perdia agarrada à agulha.
Nessas alturas ela não tinha tempo para mim… porque estava a trabalhar. Mas depois, pegava em tudo, embrulhava o bordado num lençol de linho imaculado, arrumava as agulhas que guarda religiosamente dentro de uma caixinha com pó talco para não enferrujarem e dedicava tempo à menina (era assim que ela me chamava).
Pegava nos maracujás que amadureciam na fruteira, e que tinham um cheiro que não encontro nos dias de hoje, e fazia-me sumo. Um sumo tão doce… mais doce ainda porque era adoçado pela ternura da avó… no armário havia uma caixa em latão onde guardava as bolachas. Não eram umas bolachas quaisquer, eram as bolachas que ela comprava para a menina na fábrica das bolachas que ficava a caminho da “casa de bordados” onde ela sempre trabalhou. Já não há daquelas bolachas… já não há bolachas com aquele sabor… nem as da fábrica das bolachas são iguais. Há uns anos a mãe foi à fábrica e comprou-as, mas não tinham o mesmo sabor. Se calhar porque o meu paladar já não é o paladar da menina da avó.
A minha avó não brincava comigo. Isso era tarefa do avô. O avô não via. Nunca me viu com os olhos, mas via-me com o coração. E com as mãos. E dizia-me “estás mais crescida” quando punha a mão sobre a minha cabeça. Era no meio do avô e da avó que eu dormia o primeiro sono da noite. Depois, o pai ia buscar-me à cama deles e deitava-me na minha cama.
O avô tinha uma bengala e uns óculos escuros que usava sempre na rua. Dava-me a mão para descer a ladeira e levava-me a passear. Gostava de me levar à Almirante Reis, como ele dizia, e de ir visitar a avó Milagres. A avó Milagres era a mãe do avô. Sempre foi velhinha a avó Milagres, com muitos cabelos brancos. A avó Milagres tinha sempre as mãos quentinhas e gostava de ir a pé quando nos ia visitar.
Na casa da avó houve sempre flores… dois quintais que eram dois jardins. E dentro da casa havia avencas, como só a avó conseguia ter. E havia violetas. No quintal de trás, a avó tinha os fetos que caíam de alturas de dois metros. E tinha a corda da roupa e o tanque de lavar. Tinha o galinheiro e a casota do Duque. O Duque era o meu cão. Aquele que todas as crianças deveriam ter. Um pastor alemão preto que me protegia sempre que o pai me deixava por instantes sozinha no carro para ir comprar cigarros. O Duque não deixava ninguém aproximar-se. Tinha um ar feroz para os estranhos, mas para mim não. O Duque morreu às mãos da maldade dos homens. Tinha acabado de ser pai e chacinaram toda a família. Chorei muito nesse dia. Era uma menina pequena com um vestidinho feito pela avó que não entendia a maldade dos homens e não queria perder o seu herói. O Duque era também da família.
O Duque gostava do avô, mas a avó não gostava do Duque. Sempre que ele atravessava a casa, rumo ao quintal da frente para ir à rua, com o rabo a abanar, a avó corria a proteger as avencas. E resmungava. A avó resmungava muito! E resmungava sempre com o avô. Comigo não! Nunca resmungavam comigo.
O avô jogava às cartas. Mesmo sem ver. E deixava-me sempre ganhar mesmo sabendo que eu fazia batota.
E ria muito, o avô. Pelo menos para mim e comigo. Com os outros não me lembro. O avô tinha sempre tempo para mim. O avô não ia trabalhar nem podia tratar do jardim e das flores, por isso brincava comigo.
Não me lembro do avô à hora de almoço nem ao jantar. Lembro-me dele a raspar a panela do milho que a avó cozinhava e que deixava a arrefecer para nós rasparmos antes da por água para a amolecer antes de lavar.
No fundo da panela do milho, que só servia para aquelas funções, ficava uma crosta que eu gostava de tirar com a colher e com a ajuda do avô. Agora, cá em casa, quem faz o milho é a mãe, a panela já não é a mesma e a crosta do fundo já não tem sabor. Falta cá o avô para ajudar. Já não sou capaz de comer a crosta do milho. Faz-me chorar. E, no outro dia, por isso, senti saudades do avô. Nunca tinha sentido saudades do avô. A culpa foi do milho! Guardo o avô no coração, mas nunca tive saudades dele. Só quando há crosta de milho no fundo da panela. Já disse à mãe que cá em casa não se faz mais milho. A mãe faz na casa dela e eu vou lá buscar. E depois como cá em casa. Mas já não quero ver a crosta de milho no fundo da panela porque me faz doer. A mãe achou estranho, mas sorriu. Acho que ela entendeu. Ela também gostava do avô, mais do que gosta da avó, eu sei. O avô tratava-a bem. Gostava muito da mãe, como se fosse sua filha. A avó era diferente! E também resmungava com a mãe.
O avô dava-me tabaibos. Chamam-se assim na Madeira aos figos da piteira. Tirava-lhe todos os picos e descascava-os. Deixava-os no frigorífico para ficarem fresquinhos. Gosto tanto de tabaibos. Nunca mais os comi. O avô também gostava de abacate. Comia abacate no pão. A árvore ainda está lá, no quintal da avó. Ano sim ano não dá abacates. Grandes e gostosos, mas já ninguém os apanha. Já ninguém os come com pão. E estragam-se. Que pena! Gosto tanto de abacates.
Gosto de tabaibos e de abacates. E também gosto de anonas. São as coisas que aprendi com o avô. Mas já não gosto da crosta de milho no fundo da panela. Não entendo porquê. Se calhar porque era o momento em que riamos mais os dois. E a avó resmungava.
A avó resmungava também quando a mãe tirava a cidra do bolo de mel. E eu tirava as amêndoas. E o bolo de mel ficava com buracos. O avô não via, mas com os dedos, roubava as amêndoas do bolo para me dar. E quando a avó resmungava e perguntava quem foi, ele dizia sempre “fui eu”.
Cá em casa, no Natal, há sempre milho e bolo de mel, e há anonas e abacate, e carne de vinha d’alhos. À mesa somos sempre muitos. Telefona-se sempre à avó no Natal, mas é do avô que se fala sempre à mesa.

Disparates...

O desafio foi lançado por uma amiga (pequena de tamanho físico, mas grande em espírito de justiça, humanidade, honestidade). Diz ela que sei escrever e que os meus textos merecem ser lidos... Loucuras de uma sonhadora! E pronto! Aceitei o desafio e agora ando às voltas para conseguir transformar este espaço em algo legível. Tentarei, prometo!!!